Duas moças ficaram muito famosas aqui no Egito. A primeira, uma versão da Kyle Kardashian, usava roupas que destacavam as curvas, exibia carros luxuosos e viva em bairros mais ricos. A segunda, de família mais tradicional cobria seu cabelo, mas mesmo assim postava em suas contas sociais desafios, brincadeiras e conteúdo adolescente. Juntas somam quase 5 milhões de seguidores.
Comentários dizendo que ambas são uma desonra ao país, mentalmente instáveis, e pedindo o sangue dela e de sua família se misturam com evocações a Deus e misericórdia.
O desconforto da invisível briga entre modernidade e tradicionalismo está comprando uma nova briga. Agora as “famosinhas do Instagram” são os novos alvos da vigilância moralista.
Não é só com elas e seu conteúdo que essa frente se ocupa… vi uma atriz que foi perseguida pela justiça, e da mesma maneira, desmoralizada por usar um vestido com transparências em uma apresentação, até uma dançarina estrangeira não foi imune ao linchamento virtual e a uma sentença legal.
O governo Egípcio faz um acompanhamento incisivo em redes sociais, e por isso viralizar por aqui pode ser perigoso. Conteúdos que são inofensivos no Brasil, como danças, críticas, determinados estilos de roupas são denunciados e censurados. Recentemente um estilo de música mahraganat (algo como o que seria o Funk brasileiro mas com uma linguagem muito menos agressiva), foi banido de eventos públicos e casamentos.
Uma petição online explica que no Youtube existem garotos que vão criticar a essas meninas que fazem vídeos para redes sociais, pedindo sua prisão e censurando esse comportamento, e dizendo que elas “desonram a sociedade e contaminam outras meninas”. Esse discurso normaliza essa perspectiva, aonde qualquer procurador pode acessar, se identificar com o conteúdo e argumentação levando de fato a justiça a pessoa ali exposta. Os ativistas que montaram a petição justificam que não é justo recriminar alguém baseando-se na aparência da pessoa e que essa perseguição é mais forte com pessoas menos influentes e mais pobres. A denúncia dos ativistas também revela que meninas que buscaram expor abusos sexuais também foram condenadas sobre a lei de proteção aos valores familiares.
Muitas pessoas que defendem as medidas adotadas por essa lei moralista entendem que elas assumiram e confessaram sair “com o velho da lancha”, mas não é muito claro quando e como que elas confessaram isso.
Vamos lembrar que a cultura aqui é de que carinho se expressa em mimos, e você só aceita se casar com um dote honroso e bem grande! Se você for uma menina famosa na internet e atraente, muitas pessoas vão querer te dar um “banho de loja”, para tentar conquistar sua atenção e se tornar um pretendente… o que convenientemente pode ser também traduzido de maneira pejorativa.
Slut shamming é desmoralizar a mulher por sua sensualidade, expondo imagens, vídeos não autorizados, ou expondo para denegrir conteúdo compartilhado pela própria mulher. Isso não é restrito ao Egito. No Brasil a gente vê isso também bastante! Mas não é igual. Mesmo existindo uma cultura “joga pedra na Geni” ninguém vai para cadeia por causa disso.
Penso que todos nós precisamos aprender e refletir com isso, e principalmente nós mulheres, entendermos quais nossos limites de expressão por razão de segurança e bom senso, além também prestar apoio a vítimas desse tipo de perseguição. Ajudar a mulher a encontrar a sua voz, a dominar sua sexualidade e proteger quem está sendo difamado é heróico e não dispensável.
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