Cotidiano

Fui na Polícia

Relato Anônimo para preservar a identidade.

Então, 3 anos atrás eu fui assediada no Cairo. Era cedo, perto de duas da tarde e eu estava na avenida com uma amiga. Um garoto começou a nos seguir, e nós paramos para tentar despistar ele. Ele continuou nos seguindo, e começou a nos xingar em árabe. Depois de ignorarmos ele, ele começou A JOGAR PEDRAS na gente. Então a gente parou um homem na rua, pensando que isso assustaria ele, e continuamos a andar quando ele desapareceu. Ele VOLTOU jogando coisas na gente e pegando na nossa bunda. A gente fez um escândalo e o garoto desapareceu. Durou mais ou menos 30 minutos, e ele sempre estava atrás da gente.

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Nessa hora eu vi uma estação de polícia, (que eu iria de qualquer jeito para registrar o roubo do meu celular). Corri para o policial e expliquei o que tinha acontecido. Ele falou para que nós levássemos ele até (alguns caras que presenciaram toda essa cena apontaram para nós a direção do garoto). Fomos instruídas a andar um pouco na frente dos policiais e sinalizar quem era o garoto.

Então nós fomos, com a polícia atrás da gente. Quando chegamos no começo da rua, deu para ver o garoto. Ele me viu, e começou a vir na minha direção arrogantemente. Eu apontei e a polícia pegou ele pela camisa, levando ele até a delegacia.

Enquanto estávamos voltando, ele literalmente disparou e fugiu entrando nas ruas paralelas. Advinha quem foi atrás dele? Todo mundo, MENOS o policial! Eu corri até vomitar naquele dia e mais umas 20 pessoas correram atrás dele também. Ele conseguiu escapar entrando em um táxi.

Então eu fui até a polícia fazer a queixa. Eles não me deixaram entrar e se recusaram a me ouvir. Até eu mostrar MEU PASSAPORTE BRITÂNICO. Quando eles viram, eu fui tratada como a própria rainha.

Eu cheguei em casa as 23h e a polícia me ligou 3 da manhã dizendo que tinham pego ele, e que eu teria que confirmar a identidade. Fui e confirmei.

Em mais ou menos uma semana, eu fui para corte, com cerca de 5 juízes contando minha história, durou entre 6 horas. O juíz emitiu 1 ano de sentença. Fui para casa satisfeita, que esse homem nunca mais iria traumatizar nenhuma mulher e seria penalizado.

Passados 3 anos, 2 semanas atrás, no tempo que assédio sexual estava em todas as notícias, alguém me ligou dizendo: “Oi, eu sou a tia do ASSEDIADOR. Eu estou aqui na frente da sua casa!” (Graças a Deus, eu tinha me mudado!)

O que o garoto fez na verdade, foi se esconder por esses últimos 3 anos, e há duas semanas a polícia pegou ele e colocou na prisão.

Minha pergunta é: COMO ESSA FAMÍLIA CONSEGUIU MEU ENDEREÇO E TELEFONE? Imagine o mal que essas pessoas poderiam ter causado a mim e a minha família se eu não tivesse me mudado de casa!

Eu entendo porque as mulheres aqui tem medo de reportar a polícia.

Eu fiquei traumatizada depois disso e quase nunca saio de casa sozinha. Isso realmente mudou minha vida.

Comentários: Infelizmente se defender não é uma atitude para mulher. Aqui o homem vai defender ou limpar a honra da mulher. A cultura britânica, a cultura brasileira é diferente da cultura egípcia. Entre os homens, ás vezes com violência ou outros tipos de acordos, esse tipo de “desentendimento” é resolvido. As consequências psicológicas disso são imensas. A própria vergonha pela qual a mulher é submetida dentro do processo e as barreiras impostas pelo sistema desencorajam a tomada de uma postura mais proativa. Com as exposiões recentes acontecendo conseguimos ver uma reação, mas não se engane. Esse discurso custa muito caro e a coragem de quem vem a frente é muito grande e o preço alto.


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