Cotidiano

Vish do Véu

Primeiro, o que eu mais gosto no Vida no Egito é que tem mais de uma pessoa e mais de uma perspectiva, e cada uma delas reflete a sua vivência pessoal.

As vezes a gente não concorda entre a gente, mas o segredo é mesmo não concordando manter o respeito e o carinho.

Uma coisa que eu percebi logo que eu vim para cá é que realmente a maioria das mulheres usam o véu. No Brasil é muito raro ver, e aqui é raro não ver.

E você pode até imaginar que são só as Muçumanas, que usam o Hijab. 

Mas o interessante é que cristãs também tem o hábito de cobrir os cabelos. Existe inclusive uma cidade cristã aqui no Egito, que elas se cobrem com uma espécie de burca, e por cima colocam mais um pano, que tem que ficar abrindo os braços para enxergar aonde está andando. (Meu sonho achar foto para mostrar aqui, mas não achei ainda).

Esse é o tipo de hijab mais comum no Cairo

O hijab mais comum no Cairo, cobre e colo, pescoço e cabelos. Ele não é obrigatório por lei, mas a maioria mesmo usa.

Normalmente as meninas que usam esse hijab, vão estar com um jeans justo e uma bata cobrindo o bumbum. Mas também existem as mais modestas que vão usar vestidos estampados e coloridos e saias.

As mulheres egípcias, casadas e senhoras normalmente vão usar na cor preta combinado com o vestido preto chamado abaya.

Elas não são tão estilosas assim

Mulheres cristãs muitas vezes, ou Muçulmanas mais progressistas são vistas com esse laço, mostrando um pouco do cabelo. Eu particularmente, sou de uma religião que se cobrir é entendido como algo cultural que pode sim significar respeito e reverência dependendo do contexto, e aqui algumas igrejas da minha denominação nem permitem que a mulher fale durante o culto sem estar com a cabeça coberta, e muitas cobrem a cabeça regularmente principalmente no interior. No Brasil, nunca vi nada assim.

As mulheres que você vê andando na rua e quem anda de transporte público vai estar na sua maioria com roupas mais tradicionais.

Se você olhar dentro dos carros mais luxuosos, ou bairros mais modernos, vai perceber que as mulheres não se cobrem tanto e não usam o mesmo estilo de roupas.

60 anos atrás no Cairo, não era tão comum cobrir os cabelos, mas as compreensões vem mudando e isso se reflete na maneira de vestir.

A vestimenta sendo mais modesta sugere uma devoção e submissão maior, e as roupas mais modernas mais secularismo e relativismo.

Ninguém no Cairo é obrigado a usar nada, mas a pressão social de acordo com o que você veste existe… e dá pra sentir… dependendo do lugar que você for pode ser vulgar ou até símbolo de status social se cobrir ou não. Existem lugares que ninguém se arriscaria a ir sem uma roupa bem coberta mesmo no calor, (não me refiro a lugares religiosos, mas lugares públicos, bairros, praças, meios de transporte público), e lugares que até pouco tempo era proibido usar hijab.

Sim em academias, hotéis, resorts e clubes foi proibido ir de hijab. O que esses ambientes tem em comum, é que todos podem ser ofensivos para uma pessoa mais tradicional.

Pense em roupas de academia coladas posições de exercício e o contexto de personal trainer. Isso seria um escândalo para uma pessoa de valores mais tradicionais seja pela cultura ou pela religião.

Leia mais: O que vestir no Egito?

Antes de continuar, não acredito que exista religião ou cultura errada. Particularmente procuro me adaptar ao ambiente e a linguagem que não vai escandalizar e ofender quem está a minha volta, mesmo que isso signifique comprometer algumas preferências. Eu mesma quando vou a algum lugar com alguém que se percebe mais em uma direção tradicional me visto de maneira mais tradicional. Não me ofendo, nem me pedem, mas eu me sinto mais a vontade e posso me sentir mais a vontade com outros aspectos que me fazem naturalmente diferente sem provocar um choque nas pessoas que estão a minha volta.

Clubes e resorts para turistas, que tocam músicas em inglês, recebem mais europeus tem sido resistentes em receber pessoas que se cobrem, porque além de permitir roupas de banho que seriam normais nesses países, também permitem o consumo de bebidas alcoólicas e demonstrações públicas de afeto. Essas coisas não deixariam a vontade quem é mais tradicional, podendo inclusive serem ofensivas!

A divisão entre quem cobre os cabelos e quem não cobre é também diferente em classes sociais. Em escolas mais religiosas (obviamente) e baratas é mais comum as garotas se cobrirem, e em universidades internacionais não. Bairros com mais estrangeiros, é menos comum também.

Um lugar aonde todas as roupas convivem bem sem nenhum estranhamento é no shopping aonde shorts feminino, bermuda masculina divide espaço com niqab, hijab e galabeya (o vestido masculino).

Lembrando que diferente de um clube, não existe consumo de bebidas alcoólicas no shopping nem demonstração de carinho em público, (discretas porem existem) nem ninguém fazendo agachamento sumô, dançando zumba ou em posição de quatro apoios.

Por um tempo as cidades maiores foram muito diferentes das menores pela presença de estrangeiros e turistas. Com os problemas econômicos que vieram com as crises políticas, muitos estrangeiros saíram e pessoas do interior vieram para a cidade grande trazendo um cenário mais tradicional (baladi) para as cidades grandes também.

É importante colocar as coisas em perspectiva. O Egito não foi sempre assim tradicional, antes dos árabes virem para cá as mulheres eram bem vaidosas se vestiam com roupas transparentes e praticamente inventaram a maquiagem.

Ancient Egyptian Fashion
Já era calor naquele tempo

A roupa é uma linguagem e reflete o espírito de um tempo,  Zeitgeist. Atualmente o Egito reflete o conflito de interesses e gerações na maneira de se vestir.

E novamente, meu objetivo não é colocar certo e errado, e sim levar a reflexão. Muitos defendem o original com argumentos pseudo históricos etinocêntricos que não são verdadeiros. Muito parecido com brasileiro que se via mais do colonizador do que na própria origem. Outras pessoas procuram derrubar as tradições religiosas ou interioranas para instituir o secularismo e modernismo com objetivos financeiros sem respeito e sem ética, sufocando e oprimindo uma cultura riquíssima. Não acredito que nesses caminhos existe tolerância e sabedoria.

O meu objetivo é levar você a refletir e RESPEITAR a pluralidade e a diferença entre essas duas línguas que estão falando no Egito hoje, a tradicional e a progressista.

A gente tá sim na terra do outro enquanto vive e viaja aqui, e é livre para pensar e fazer conforme a consciência. Mas vale a pena ofender ou desmoralizar o diferente? Vale mesmo a gente não concordar e começar com desrespeito? Eu realmente acredito que não.

Categorias:Cotidiano, Religião, Turismo

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